O que é mais sinal de inteligência? Conseguir fazer algo simples de forma complicada — ou conseguir fazer algo complicado de forma simples?
A resposta parece óbvia. A inteligência autêntica simplifica, clarifica, descomplica. Como dizia Einstein: "Se não consegues explicar algo de forma simples, é porque não o entendes bem o suficiente."
Mas o ser humano insiste no contrário: confunde complexidade com genialidade, engenho técnico com sabedoria, e acumulação de camadas com evolução.
Simplificar sem perder profundidade exige uma compreensão que raramente encontramos. Já complicar o simples é fácil — basta falta de clareza, vaidade, medo do vazio, ou o velho hábito de ocupar-se para não ter de pensar.
E não estamos a falar de refletir profundamente sobre o mundo — isso é nobre. Estamos a falar de substituir o óbvio por labirintos, de transformar a funcionalidade em espetáculo, de criar dependência onde antes havia autonomia.
Basta afastar o olhar e observar o ser humano com frieza. A sua compulsão em complicar tudo parece menos um traço de inteligência e mais um distúrbio — uma inquietação crónica travestida de progresso. Ilude-se com a ideia de que está a evoluir, como se houvesse um aperfeiçoamento eterno em todas as direções. Mas essa crença é apenas mais uma fuga. Ingenuidade e desorientação tornadas doutrina.
É legítimo, então, perguntar: será mesmo o ser humano o ser mais inteligente do planeta? Quando tudo o que faz é sofisticar artificialmente o que já funcionava com naturalidade?
Vejamos: comunicar transformou-se num exercício de atravessar interfaces, criaram-se notificações, algoritmos e filtros — onde antes bastava falar. As casas tornaram-se "smart", mas mais frágeis. As relações humanas ficaram instantâneas, mas vazias. Notificações digitais para marcar tarefas que antes viviam apenas na memória ou no instinto. E os outros animais, sem entenderem nada de tecnologia, continuam a viver — e não mostram sinais de desfrutar menos da existência. Pelo contrário: são menos ansiosos, menos depressivos, mais conectados ao momento.
Enquanto isso, o ser humano afunda-se num mal-estar crescente. É o único animal que precisa de inventar terapias para suportar a própria mente — que cria artefactos para tentar recuperar o que perdeu ao longo do seu dito "progresso".
Agora cria inteligência artificial, como se estivesse a gerar uma nova forma de vida — esquecendo que todos os seres sempre souberam criar vida de forma orgânica, através da procriação. Mas o humano, talvez por se ter afastado tanto da vida, precisa agora de simular a criação… como quem fabrica um espelho digital para ver se ainda se reconhece.
A complexidade está a tornar tudo mais artificial — inclusive a própria inteligência humana. Pois o dilema eterno aqui se revela: como matar um assassino sem nos tornarmos nele? Como criar o artificial sem nos tornarmos artificiais? Tudo no universo se molda ao seu ambiente; quem mexe na lama, acaba enlameado.
Sim, é o animal com maior capacidade de criar estruturas complexas. Mas a inteligência verdadeira não é criar mais: é saber o que não precisa de ser criado. É saber viver bem. E nisso, talvez, o ser humano esteja a falhar redondamente.
Mas quem sabe? Talvez a verdadeira inteligência seja precisamente essa: complicar tudo até à extinção, só para provar que se podia.
- Tiago Barriga