Algo parece querer comunicar-se comigo através destas cortinas, não a comunicar propriamente, mas mais a vida do outro lado sempre querer algo de mim, sempre a insistir em que não seja eu mesmo e a prejudicar-me por tal, sempre a querer sugar-me alma!
Se esse exterior está sempre a querer roubar algo, e se daquilo que temos noção, nos podemos defender, significa então também em contra partida que mais probabilidade há dessa noção nos poder incomodar, em quantidade e intensidade. Por outro lado faz-me levantar a premissa que estaremos a ser ainda mais abusados por vias às quais não façamos ideia, pois os nossos sentidos nem cheguem lá.
Estamos habituados a estes sentidos, como se fossem tudo. Mas assim como existem animais sem todos estes sentidos, também seria no mínimo absurdo assumir que os nossos sentidos abranjam todo o espectro da existência. Embora não consigamos conceber minimamente quais seriam outros sentidos diferentes dos que conhecemos, isso se deve exatamente e apenas por não termos, até ao momento, nenhum vislumbre de outros.
Então, da mesma forma que partes de um corpo que já estejam dormentes são mais propícias a alojar parasitas e fungos, também nós, relativamente às partes da nossa existência das quais nada sabemos, por estarmos privados de sentidos que as captem, estaremos provavelmente a ser abusados e explorados por outros seres que tenham tal noção.
Se não tivéssemos, por exemplo, visão nem sentíssemos o corpo, poderíamos muito bem estar a ser devorados por um ser sem que isso nos incomodasse minimamente.
Além disso, fica claro que quanto mais noção temos, mais coisas existem para processarmos e por sua vez para nos incomodar. Existe assim uma relação íntima entre a loucura e a noção. Para cada porção de noção, é necessário uma outra porção de 'espaço' para que a loucura não acompanhe ao mesmo ritmo.
Por este motivo, 'aguentar', ou 'suportar mais', algo que esta sociedade fantasiosamente glorifica, tende por vezes a significar meramente maior ignorância, pois para aquele de que nada tem noção, tudo está bem, pois nada conhece que pode-se achar estar mal.
– Tiago Barriga